O LEGADO TÁTICO DE MANO MENEZES: PARTE 3
Nesse momento difícil vivenciado pela Seleção Brasileira, o Painel resolveu esmiuçar taticamente a Era Mano Menezes e o legado tático por ela deixado, o que muito explica as escolhas feitas pelo atual treinador do Brasil. Porque Felipão tem optado por Hulk? Porque Neymar livre a frente de uma linha de quatro? Scolari tem se mostrado em dúvida entre o 4-2-3-1 com Neymar pela esquerda e o 4-4-2 inglês com o craque santista de segundo atacante. As respostas? Muitas delas estão no trabalho de dois anos realizados por Mano Menezes na Seleção. A primeira e a segunda parte da série já foram publicadas! Espero que gostem da terceira!
Parte 1: O início promissor e as primeiras decepções
Parte 2: A Copa América e o caminho até Londres
Parte 3: Uma nova equipe após as Olimpíadas
Parte 4: O que pode ser aproveitado por Scolari
Uma nova equipe após as Olimpíadas
Chegou a Olimpíada de Londres e com ela mais um teste para o questionado Mano Menezes. A derrota para o México na final foi ruim por causa do nível técnico da competição e pela mudança injustificada de esquema na partida final. Todos esperavam que a CBF mandasse o treinador embora após o revés, mas Mano prosseguiu. Foi nesse momento que viveu a melhor fase de seu trabalho, sendo que esta pode trazer para Felipão uma luz de como montar uma equipe mais competitiva. Foi na última parte de seu trabalho que Mano encontrou Oscar, voltou com Kaká e liberou Neymar no ataque.
Olimpíadas de Londres – Julho e agosto de 2012: após Oscar despontar como o elo que Mano tanto procurava para dinamizar ofensivamente o meio de campo do Brasil, o treinador brasileiro começou a testar o posicionamento de Neymar, que por vezes inverteu com Oscar, indo jogar na meia central do 4-2-3-1. O craque do Santos também foi treinado ainda mais solto, fazendo um típico segundo atacante quando Mano desenhou em campo o 4-4-2 inglês. Vendo que as linhas de quatro diminuíam o rendimento de Neymar, e tentando tirar a obviedade de seu posicionamento pela esquerda, foi no torneio Olímpico que Mano tirou suas conclusões mais inteligentes durante seu trabalho. Podemos dizer que os jogos de Londres, de forma torta, fizeram um pouquinho do que poderia ter sido estudado durante as Eliminatórias.
Foi no momento olímpico de sua trajetória que Mano descobriu Oscar e a segunda linha de marcação, o que liberaria Neymar e não comprometeria a marcação no meio de campo. O Brasil fez grandes partidas como o 3 x 1 na Dinamarca, o 4 x 1 em cima dos Estados Unidos e os 2 x 0 em cima da Grã-Bretanha, sendo este último jogo a primeira vez que Oscar foi alocado como winger e Neymar solto pelo centro. Indeciso, Mano alternou nas Olimpíadas, ora com Oscar pelo centro e Neymar pelas beiradas, ora o contrário.
Em todas essas boas atuações Oscar se destacou, vestindo bem a camisa dez e dando a articulação necessária pelo centro e pelos lados ao 4-2-3-1 brasileiro. Como vislumbrado por André Rocha, tal dinâmica não foi alcançada com Ganso por estilo e, com Ronaldinho, por preguiça, lentidão. Talvez a maior decepção de Mano em Londres tenha sido Hulk, que acabou até, erroneamente, perdendo a vaga na final Olímpica, onde o treinador brasileiro inventou um 4-4-2 losango que assassinou o jogo de sua equipe.
Depois do fracasso na Copa América e na inesperada derrota na final olímpica, a Seleção principal novamente voltava a campo, quase seis meses depois do vexame contra a Bósnia. Ainda respirando os ares de Londres, Mano levou a base olímpica acrescida de David Luiz, Daniel Alves, Ramires e Paulinho, que estreava com a camisa amarela. Em campo, tirando a defesa, um time bem diferente daquela equipe que vinha sendo trabalhada antes do torneio olímpico. A mudança tática também foi expressiva: linhas de marcação pelo meio e Neymar solto como segundo atacante num legítimo 4-4-2 britânico:
Suécia 0 x 3 Brasil – Estádio Rasunda (Suécia) - 15/08/2012: alguns nomes se juntaram a Lúcio, André Santos, Lucas Leiva e Robinho na lista de descartados. Foram eles: Júlio César, Maicon, Ganso, Elias, Fernandinho, Fred, Hernanes, Pato e Ronaldinho. O único sobrevivente do meio de campo era Ramires. Como não tinha uma equipe antes de Londres, Mano aproveitou o que foi conquistado e buscou refazer o meio de campo, que era o maior problema do time. Assim, resolveu apostar em novos jogadores como Paulinho, Rômulo e Oscar. Da escalação do badalado jogo de estreia contra os EUA, restaram somente Daniel Alves, Thiago Silva, David Luiz, Ramires e Neymar. O resto foi ficando pelo caminho.
Era como se um novo trabalho tivesse sido iniciado, com uma equipe bem modificada e escalada em outro esquema. O próximo compromisso desse novo Brasil encontrado por Mano era a África do Sul, em jogo que seria disputado em solo brasileiro. Atualmente vaiada quando joga no estádio do Morumbi, a Seleção Brasileira veio a campo novamente postada em linhas de quatro e Neymar solto, só que dessa vez Mano tentou alocar Oscar na linha de meio, como uma espécie de Box-to-box. Talvez fosse uma tentativa de aproveitar Oscar, Lucas e Neymar no mesmo time sem perder o novo padrão que tentava implantar.
Brasil 1 x 0 África do Sul – Morumbi (São Paulo) - 07/09/2012: outra péssima atuação do Brasil que novamente ganhou com um placar magro de uma seleção inexpressiva e ainda jogando em casa para mais de 50.000 expectadores. Sob vaias e protestos, novamente uma linha de marcação pelo meio, dessa vez com Lucas e Ramires pelas beiradas e Oscar de segundo volante. Não deu muito certo e, com Lucas, Neymar e Damião em tarde nada inspirada, coube a Hulk sair do banco e fazer o gol que evitou o 0 x 0. E, mais uma vez, tivemos uma formação de meio diferente. Pelo menos o esquema estava sendo repetido e com a mesma dinâmica, algo raro no trabalho de Mano. Como dito pelo técnico, o 4-4-2 em linhas lhe dava segurança para jogar contra qualquer equipe, o que não era proporcionado pelo 4-2-3-1 com Neymar pela esquerda (que causava remendos e adequações para que a equipe não ficasse frágil defensivamente).
E as mudanças táticas não pararam por aí. Parecendo convicto da marcação em linhas e da liberdade proporcionada a Neymar, o treinador brasileiro decidiu retornar ao 4-2-3-1 e abandonar o centroavante, colocando o craque do Santos para jogar como uma espécie de falso 9. Era límpida uma conclusão de Mano: usar o 4-2-3-1 com Neymar pela esquerda desmontava qualquer estratégia eficaz de marcação. Ou guarnecia Neymar com uma linha de quatro o escalando como segundo atacante ou montava o 4-2-3-1 com o atleta fazendo uma falsa referência. A cobaia do experimento foi a péssima China, que levou oito gols do time brasileiro.
Brasil 8 x 0 China – Recife (Pernambuco) - 10/09/2012: mais novidades táticas no time de Mano Menezes, que parecia mais seguro no manejo de suas peças. Após liberar Neymar como segundo atacante, por fim resolveu lançar o craque santista como falsa referência para tentar retornar com o 4-2-3-1, antigo sonho tático do treinador desde que assumiu a Seleção. Sem Neymar para “estragar” a recomposição pelo lado esquerdo, o desenho da moda poderia ganhar sustentação defensiva e voltar a ser usado. Entretanto, a fragilidade extrema do adversário não deixou que o duelo fosse paradigma de nada, apenas tendo importância por ser a primeira partida de Neymar como falso 9 com a camisa da Seleção. E Mano também queria aproveitar Oscar no centro, o maior achado técnico de seu confuso trabalho.
Após dois anos de trabalho, Mano ficou convicto de que Neymar, pela esquerda, não rendia defensivamente e nem ofensivamente, ainda mais quando enfrentava linhas acirradas de quatro na marcação. Sem mais tempo para testes e com a corda no pescoço, o treinador tentou montar sua equipe com o que tinha vislumbrado de melhor durante esse tempo. André Rocha explica muito bem a opção por Neymar como falso 9, transcrevendo a explicação do ex- treinador da Seleção Brasileira. Ainda ficou faltando a explicação defensiva, que é o apego ínfimo de Neymar com a recomposição, outro óbice de sua escalação pela esquerda num 4-2-3-1:
- Neymar segue com problemas diante de marcações compactas quando joga aberto pela esquerda. Foi assim contra Vélez Sarsfield e Corinthians na Libertadores e segue na seleção. Por isso Mano Menezes o deslocou para o centro do ataque. A explicação do treinador demitido pela CBF para a mudança à época era simples: Neymar recebe na intermediária e o lateral adversário encosta. Quando domina, o meia recua para auxiliar, o volante marca a linha de passe e o zagueiro faz a cobertura. Cercado por quatro em espaço tão reduzido, a Jóia santista não consegue driblar em velocidade e partir em diagonal.
Para o jogo contra o Iraque, outra grande mudança: o retorno de Kaká. Mano insistia na necessidade de uma referência técnica e tática para equilibrar os mais jovens, missão que Ronaldinho passou longe de conseguir cumprir. O problema era tirar Oscar do centro do 4-2-3-1, como dito, um dos achados de Mano nos dois anos de dedicação ao Brasil. Enquanto todos esperavam Oscar pelas beiradas e Kaká centralizado, nosso comandante preferiu contrariar Mourinho e escalar o jogador do Real pela esquerda. O técnico português havia afirmado que Kaká agora só tinha utilidade solto como segundo atacante.
Brasil 6 x 0 Iraque – Suécia - 11/10/2012: o 4-2-3-1 brasileiro foi escalado com: Diego Alves; Adriano (lateral direito), Thiago Silva, David Luiz e Marcelo; Paulinho, Ramires (volantes), Hulk (direita), Kaká (esquerda) e Oscar (centro); Neymar. Kaká estreou muito bem no 4-6-0 canarinho. Os desafios contra o Japão e a Colômbia, adversários mais qualificados, sobretudo o sul-americano, mostrariam as intenções de Mano Menezes na continuação do trabalho.
Depois de três partes bem distintas dentro de seu trabalho, o comandante do Brasil ainda tinha mais dois duelos antes de fechar o ano de 2012. Primeiro seria o Japão, em partida marcada para Wroclaw, na Polônia. Logo depois, seria a surpreendente Colômbia de Falcão Garcia em Nova Jersey, nos Estados Unidos. A dúvida era quanto ao esquema tático. Antes dividido entre o 4-2-3-1 e o 4-3-3, após a olimpíada e o abandono da referência no ataque, agora Mano estava entre o 4-2-3-1 com dinâmica de 4-2-2-2 (com Oscar e Kaká no meio) e o 4-4-2 britânico, montando linhas de marcação.
Brasil 4 x 0 Japão – Polônia - 16/10/2012: uma das melhores atuações coletivas da Era Mano, com o Brasil postado num dinâmico 4-2-3-1, com Kaká e Oscar mais na criação e Hulk encostando mais em Neymar no ataque. O 4-6-0 brasileiro, com bastante movimentação, encontrou espaço na descompactação das linhas japonesas. Foi muito destacado como Kaká mudou a cara do time do Brasil. A presença do atleta deu mobilidade, “soltou” o meio de campo da equipe, antes “engessado” na espera da bola. Além de ser visível o bem que fez psicologicamente para os jovens, principalmente Neymar, que carregava nas costas a obrigação de liderar o ataque e decidir. Mesmo sendo contra o Japão, outra equipe fraca, a movimentação do Brasil chamou atenção de uma forma positiva, algo que não acontecia desde a estréia de Mano contra os Estados Unidos. Outro aspecto importante e que foi positivamente destacado foi o uso de volantes ofensivos, pedido antigo do torcedor e da imprensa brasileira. Parecia que, enfim, a seleção de Mano entrava nos trilhos e rumava em direção a um padrão tático dinâmico e ofensivo.
Movimentação ofensiva do Brasil justificou a ausência do centroavante: Kaká compunha o lado esquerdo do tablado, entretanto centralizava com freqüência na transição ofensiva, com Neymar, e até mesmo Ramires, procurando ocupar o flanco. Com isso, Oscar e Hulk encontravam espaços na entrada da área japonesa.
Sem saber, Mano fez contra a Colômbia seu último jogo de peso como treinador da Seleção, afinal o jogo remarcado do Superclássico das Américas não teve qualquer expressão. O adversário era um forte rival sul-americano, destaque nas Eliminatórias do continente. Com um padrão tático definido, o que lhe permitia variações durante a partida, creio que foi a primeira vez que a Colômbia enfrentou o Brasil gozando quase que do mesmo favoritismo. Em partida equilibrada, e contra uma equipe forte, Mano mostrou com sua escalação o caminho que tinha decidido seguir se permanecesse no comando do Brasil.
Brasil 1 x 1 Colômbia – Nova Jersey (EUA) - 14/11/2012: Brasil no 4-4-2 britânico e a Colômbia no 4-2-3-1. Seleção veio com Thiago Neves bem aberto pelo flanco esquerdo, cumprindo a mesma função tática que desempenhava, na época, no Fluminense, ou seja, encostando-se aos volantes para auxiliar na marcação. Oscar ficou pela direita e centralizou bastante, trocando várias vezes de posição com Kaká, que foi escalado, praticamente, como um segundo atacante. Na primeira etapa, o meia do Real habitou bastante a intermediária, tentando cumprir a meia central e encostar-se em Neymar. No segundo tempo, as linhas de quatro ficaram mais explícitas, com Kaká solto ao lado de Neymar na frente. A entrada de Thiago Neves, compondo uma linha no meio e tentando fazer o mesmo papel que Di Maria cumpre na Argentina, equilibrou o setor e deu mais liberdade para o trio de craques Oscar, Kaká e Neymar. Apesar de não ter vencido, o Brasil jogou bem, tanto no posicionamento como taticamente. Começávamos a enxergar, dois anos depois, resquícios de padrão tático e a formação de uma equipe competitiva. O jogo foi bom e dinâmico, o que demonstrou, mais uma vez, que Kaká tinha condições de atuar por toda partida, sendo a reserva no Real apenas uma opção de Mourinho. A Seleção não estava brilhante, mas parecia rumar, enfim, para o lugar certo. Ninguém comemorou empatar com a Colômbia, mas agradou a consistência da apresentação brasileira. A torcida voltou a acreditar, ainda com um pouco de receio, no processo de desenvolvimento da equipe.
Tônica do Brasil na partida: 4-4-2 britânico, com duas linhas guarnecendo Kaká e Neymar, mais livres no ataque.
No exato momento em que o torcedor começava a acreditar no time, após descobrir Oscar nas Olimpíadas, encaixar Kaká, liberar Neymar, abdicar do nove e dispor o Brasil em linhas, Mano Menezes foi demitido. Inquestionavelmente no melhor momento de seu trabalho, foi substituído pela dupla campeã do mundo, formada por Felipão e Parreira. Com Mano, muito questionado, a CBF tinha que sempre aparecer e respaldar as decisões do treinador, dando um senso de legitimação para os seus atos. Com Felipão é diferente, batendo todo o peso da pressão no comandante, ficando a CFB livre em seu trono. E agora Scolari? Que caminho seguir? Começar do zero ou aproveitar algo? Nos encontramos no último capítulo. Abraço!
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https://fichadojogo.wordpress.com/2012/09/11/ficha-tecnica-de-brasil-8-x-0-china/
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https://fichadojogo.wordpress.com/2012/11/15/ficha-tecnica-brasil-1-x-1-colombia/
Victor Lamha de Oliveira
Tópico: O LEGADO TÁTICO DE MANO MENEZES: PARTE 3
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